#11 | o que você faz quando NINGUÉM está olhando?
Como seus momentos entre quatro paredes refletem no mundo exterior?
Por que é mais fácil procrastinar quando está sozinho? Ou por que certos hábitos parecem ganhar força quando estão longe dos olhos alheios?
Pois é.
Quando comecei a trabalhar de home office no início da pandemia, percebi que meu desempenho oscilava dependendo do ambiente o qual me expunha.
Quando eu estava trabalhando no meu quarto, procrastinava mais.
Quando eu trabalhava na sala da minha casa, por exemplo, onde minha família transitava pra lá e pra cá, meu desempenho melhorava um pouco.
E às vezes que eu inventei de trabalhar numa cafeteria, biblioteca, livraria ou algum lugar público, meu desempenho melhorava muito!
Mas eu sempre caía no mesmo dilema: meus trabalhos criativos demandavam solitude. Enquanto minha produtividade demandava exposição.
Ao mesmo tempo que eu pensava como abordar o tema de “como agimos diferente quando estamos sozinhos", um seguidor fez o seguinte questionamento:
E me mandou no privado “por favor, preciso urgente".
É por isso que eu comecei tudo isso, afinal, não foi?
Para ajudar as pessoas de alguma forma, com o conhecimento que está jogado por aí no mundo?
Então cá estamos. E é sobre isso que falaremos hoje:
A face oculta da procrastinação
A armadilha da pornografia
Culpa: um ciclo vicioso
A importância da autocompaixão.
Vamos explorar juntos como nossos comportamentos em privado moldam quem somos e impactam nossa vida pública.
"Integridade é fazer a coisa certa, mesmo quando ninguém está olhando."
— C. S. Lewis
A face oculta da procrastinação
Quando ninguém está olhando, a tentação de adiar tarefas importantes se torna mais forte. E tem uma razão para isso!
Sem a pressão externa, nosso cérebro busca recompensas imediatas em vez de atividades que exigem esforço, afinal, não temos alguns fatores que colaboram para nos manter na linha:
Por que procrastinamos quando estamos sozinhos?
Falta de responsabilidade externa: Sem alguém para nos cobrar, é mais fácil deixar para depois. “Daqui a pouco”. “Só mais meia horinha". “Depois do almoço eu faço…"
Busca por conforto imediato: Atividades prazerosas e de baixo esforço, como ficar no Insta, TikTok, etc, liberam dopamina, o que nos faz sentir bem naquele momento específico. Se quiser ler mais sobre o sedentarismo mental, vai encontrar neste post aqui:
Percepção distante das consequências: Quando estamos sozinhos, as consequências de adiar tarefas parecem menos tangíveis. Quanto mais próximo da entrega, as consequências ganham um senso de urgência (é quando a gente trabalha feito maluco para entregar nossas tarefas, depois de ter procrastinado por dias).
Um estudo publicado na Psychological Bulletin destaca que a procrastinação é uma falha na autorregulação e está TOTALMENTE ligada à impulsividade (Steel, 2007), a qual ganha mais força entre quatro paredes.
Exatamente: sozinhos nos tornamos mais impulsivos. Guarde essa informação.
"Sua mente é para ter ideias, não para retê-las."
— David Allen
A armadilha da pornografia
Eu hesitei em trazer esse tema. Mas me pediram.
Me pediram de verdade.
O consumo de pornografia é um tópico delicado, mas percebi o quão importante pode ser abordá-lo.
Quando você está sozinho, o acesso fácil e anônimo a conteúdo adulto pode levar ao consumo excessivo, afetando sua saúde mental e seus relacionamentos reais.
Soft-Porn: a porta de entrada
Deram o nome de soft-porn, se você nunca ouviu falar nesse termo, se liga só: todas as redes sociais estão lotadas dele! (afinal, não são conteúdos +18, então é permitido que estejam lá, expostos a céu aberto)
Soft-porn refere-se a conteúdos que, embora não explícitos, têm forte apelo sexual. Isso inclui algumas séries também, filmes, publicidades e, claro, os conteúdos nas redes sociais.
Desensibilização: Com o tempo, o soft-porn pode levar ao efeito bola-de-neve, fazendo o consumidor buscar conteúdos mais explícitos.
Expectativas irreais: Pode distorcer a percepção sobre sexualidade e relacionamentos reais. Byung-Chul Han tem uma frase muito interessante sobre isso em que ele diz “O obsceno na pornografia não reside no excesso de sexo, mas no fato de não ter sexo.”
Efeito na concentração: O consumo frequente pode afetar a capacidade de foco e aumentar a procrastinação.
Pesquisas indicam que o consumo excessivo de pornografia pode estar associado a alterações na função cerebral, similares às observadas em dependências (Voon et al., 2014).
Calma, falaremos sobre técnicas para solucionar o seu problema mais adiante, mas antes, você deve ter cuidado com a culpa.
Culpa: um ciclo vicioso
É comum nos sentirmos culpados depois de uma fase procrastinadora, ou depois de ceder a hábitos que consideramos negativos e tóxicos.
No entanto, a autoculpa pode nos prender em um ciclo vicioso ainda pior, onde sentimentos negativos levam a mais comportamentos indesejados.
P.S. é um pouco do papel da culpa na compulsão alimentar, mas falaremos sobre isso em outra postagem com mais especificidade.
Por que a culpa é prejudicial?
Paralisação emocional: Sentir-se culpado pode nos deixar estagnados, dificultando a ação para mudar. Você está muito mais preocupado com julgar a si mesmo, do que efetivamente alterar seu comportamento de maneira lógica.
Autoestima reduzida: A culpa constante corrói nossa confiança em nós mesmos. O que te torna ainda mais suscetível ao erro, afinal “eu não sou capaz", ou “eu não tenho autocontrole" foram frases que já devem ter passado pela sua cabeça a fim de se culpar. Estou aqui para dizer que ambas são mentiras deslavadas que você conta para si mesmo (não que você não saiba).
Reforço de padrões negativos: Ao nos culparmos, podemos buscar alívio em hábitos nocivos, como procrastinar ainda mais, ou retornar ao consumo de conteúdos nocivos, ou outros padrões negativos que fazemos quando estamos sozinhos.
Um estudo na Journal of Social and Clinical Psychology indica que a autocompaixão é mais eficaz para promover mudanças comportamentais do que a autoculpa (Breines & Chen, 2012).
"A culpa não muda o que já passou, mas a autocompaixão pode mudar o que está por vir."
Praticando a autocompaixão
Em vez de se punir pelos deslizes, é importante praticar a autocompaixão.
“Tá. Eu procrastinei. Eu ando muito estressado, ansioso, e realmente não consegui me focar. Vamos tentar fazer direito agora?”
Isso significa tratar a si mesmo com a mesma gentileza e compreensão que ofereceria a um amigo.
Como praticar a autocompaixão?
Reconheça seus sentimentos
Entenda que todos erram
Seja gentil consigo mesmo
Kristin Neff, pesquisadora pioneira em autocompaixão, destaca que esse hábito melhora a resiliência e o bem-estar emocional (Neff, 2011).
“A autocompaixão melhora a resiliência e o bem-estar emocional, tornando-nos mais aptos a enfrentar desafios futuros.”
— Kristin Neff
Mantendo o foco quando ninguém está olhando
A boa notícia é que existem estratégias para combater esses hábitos e manter o foco, mesmo na ausência de supervisão (gosto de chamar assim o simples fato de estar na presença de outras pessoas ao redor).
Eu deixei de precisar das cafeterias depois que aprendi algumas técnicas, por exemplo, e hoje consigo trabalhar bem na minha solitude.
1. Estabeleça rotinas estruturadas
Planejamento diário: a primeira coisa que faço no início do dia é definir 3 tarefas importantes que devem ser executadas. Isso ajuda a ter clareza no meio de um monte de sub-tarefas que acabamos criando no passar do dia.
Blocos de tempo: Se você ainda está começando a trabalhar em casa, e ainda não tem uma estrutura definida, use técnicas prontas.
Por mais ultrapassadas que possam parecer, funcionam bem. Técnicas como o Pomodoro (25 minutos de trabalho focado seguidos de 5 minutos de pausa) podem ser bastante úteis durante momentos de trabalho.
2. Ambiente livre de distrações
Espaço de trabalho organizado: Mantenha seu local de trabalho limpo e livre de elementos que possam distraí-lo, e principalmente…
Bloqueadores de Sites: Utilize aplicativos que restringem o acesso a sites específicos durante certos períodos, isso funciona bem para bloquear conteúdos adultos, e aqueles sites que sugerem mais procrastinação.
3. Defina metas claras e recompensas
Objetivos específicos e mensuráveis: Em vez de "estudar mais", defina "duas horas estudando o capítulo 3”.
Recompensas saudáveis: Após concluir uma tarefa, recompense-se com algo positivo, como uma caminhada para tomar um ar, alguns minutos de power-nap ou algo que seja positivo para sua mente/espírito.
4. Pratique a autoconsciência
Mindfulness: Técnicas de atenção plena ajudam a estar presente e consciente de suas ações. Um estudo sugere que a mindfulness pode ser eficaz na redução de comportamentos impulsivos (Bowen et al., 2011).
Registro de hábitos: Ou como chamei na edição #05, “O limpador de mentes":
Dica extra: Anote quando sentir vontade de procrastinar ou consumir conteúdo inadequado. Isso ajuda a identificar os seus gatilhos.
Reconhecendo e superando gatilhos
Entender o que nos leva aos comportamentos indesejados é essencial para mudá-los, simples assim (tá, não é tão simples, mas existe um caminho para a mudança, ok?)
Identifique seus gatilhos
Emoções negativas: Estresse, tédio ou tristeza podem levar à procrastinação ou ao consumo de pornografia. O que te leva para esta necessidade?
Identifique, sem julgamento ou culpa, “o que me faz querer isso? Qual o gatilho?"Ambientes específicos: Estar no quarto com o computador pode ser um gatilho?
Estratégias para Superação
Substituição de hábitos: Troque um hábito negativo por um positivo. Essa é uma técnica de resignificar uma situação. Percebeu o gatilho da procrastinação? Levanta e faz um alongamento rápido. Sentiu o gatilho do consumo de conteúdos nocivos? Saia do ambiente, vá tomar uma água e tomar um ar na cara.
Isso são exemplos, claro. Mas conceitualmente a estrutura funcional de mudança é: Identificar gatilho > tornar-se consciente > resignificar situação/ambienteBusque apoio: Conversar com amigos ou profissionais pode oferecer perspectivas e estratégias novas, que podem funcionar para você. Além disso, compartilhar com pessoas que você confia pode ser um potencializador da sua mudança!
Nossas ações quando estamos sozinhos refletem nosso verdadeiro eu e influenciam diretamente nossa vida pública.
Já li relatos de pessoas que perderam a família pelo vício em pornografia, e que perderam um emprego incrível devido à procrastinação desenfreada.
Quando cultivamos hábitos saudáveis e estamos conscientes de nossos comportamentos em privado, construímos uma base sólida para uma vida mais satisfatória e autêntica.
Para quando estiver com água na nuca:
Reflita sobre fazer esse exercício nesta semana: tente identificar apenas um gatilho negativo, e faça a experiência de resignificá-lo.
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até segunda-feira que vem.
Com carinho,
Carbone.
O grande desafio é deixar esse histórico de "fracassos" de lado para trazer nossos novos hábitos para a realidade.
Parece que durante todo o processo de mudança tem uma voz malígna susurrando no ouvido "eu tenho conheço... você não vai manter essa nova versão por muito tempo... e quando falhar vai ser mais rídiculo ainda"
A autocompaixão serve como uma luva para você ser seu próprio "ombro amigo".
Me permite falar comigo mesmo "tudo bem se a gente falhar de início mas precisamos tentar... a nossa nova versão é a que tenta algo e não necessariamente a que consegue de primeira"
Muito útil esse post.
Vi que você pretende falar sobre a compulsão alimentar, eu gostaria MUITO de ouvir sobre esse tema, venho tentando lidar com ela a alguns anos e não é nada fácil.